domingo, 29 de julho de 2012

Lauro César Muniz se despede das novelas e critica "Avenida Brasil"


O novelista Lauro César Muniz, 74, chegou a ter dúvidas sobre esta entrevista. Por e-mail, desabafou: "Um dos momentos mais difíceis de minha extensa carreira na TV. Não fui especialmente otimista no nosso papo...".

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A conversa ocorrera uma semana antes, no apartamento da Bela Vista, em São Paulo, onde vive há oito anos com sua quarta mulher, a atriz Bárbara Bruno, 56, filha dos atores Paulo Goulart e Nicette Bruno. Enquanto servia bolinhos caseiros e café preto à repórter Anna Virginia Balloussier, digeria também seu último "fracasso" ("não vou usar eufemismo, é fracasso mesmo"): a novela "Máscaras", com média de cinco pontos de audiência na Record, um terço do esperado.

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Ele está de cabeça feita: nunca mais fará novelas.

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Em tempos áureos, chegou a alcançar média de 66 pontos com "O Salvador da Pátria" (1989), na TV Globo. Hoje o bastão está com João Emanuel Carneiro, 42, autor de "Avenida Brasil", que já chegou a ser exibida em 71% dos aparelhos ligados.

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A coincidência entre sua retirada e o sucesso retumbante do jovem autor desperta em Lauro "nenhuma melancolia". "Nós [autores dos anos 70/80] estamos cansados. Ninguém quer mais fazer novela. Já fizemos tudo. E minha geração já morreu. Quem está vivo não está trabalhando, o Benedito [Ruy Barbosa, 81]... Manoel Carlos [79] tem feito alguma coisa."

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"É muito difícil que um autor da minha idade consiga vislumbrar alguma coisa interessante", afirma. "Por mais que tente se reciclar, ele vai até um certo limite." Novidade? "Tô esperando que os jovens façam."

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Acha que eles ainda não conseguiram. Gostou de "A Favorita" (2008), novela anterior de Emanuel Carneiro. Já "Avenida Brasil", diz, "cai numa série de clichês, bastante improváveis, como patroa virar empregada e empregada virar patroa. Não é uma nova forma, é um clichezão. Acho chato". Discorda de que o enredo pode refletir a nova classe média. "A classe C ascendeu através dessa troca? Essa ideia não cola."

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Sua geração, diz, era bem mais contundente e arrojada.

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"Nós disputávamos formatos novos. Em 1976, [o dramaturgo] Dias Gomes fez 'Saramandaia', realismo fantástico. Pessoas voavam, gordos explodiam, formiga saía pelo nariz. Fiquei imediatamente desafiado. 'Pô, vou fazer um treco louco também!' Fiz 'Casarão', contada em três épocas. Daniel [Filho, diretor da Globo] arregalava o olho. Era maluca no sentido de desafiar a lei da gravidade."

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Hoje, não é assim. "A culpa é nossa", diz. "Anestesiamos o público, que quer ver sempre as mesmas coisas." As emissoras se acomodam. "A Record não faz sombra à Globo. A TV Tupi [extinta em 1980] fazia muito mais."

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"Sinto uma letargia." Os diretores das TVs, afirma, "não são artistas ou são ligados ao mundo financeiro, como o Manoel Martins [diretor de entretenimento da Globo] e o Hiran Silveira [da Record]. Estão mais preocupados com orçamento do que com aspectos artísticos".

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Desconfia do Ibope. "Será que não é bom ter outro instituto, outra medição? Antes, olhava pros números e gritava: 'Mea culpa, mea culpa'. Hoje, olho e penso: quem está manipulando isso?"

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A decisão de pôr fim à carreira na teledramaturgia foi tomada antes da estreia de "Máscaras", em abril. O que mais o incomoda, agora, é "a sensação de que estou abandonando tudo por causa dessa novela. Pelo contrário. Dá até vontade de fazer mais uma, só por revanche...".

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"Sempre disseram: os 30 anos mudam sua vida, são uma fossa. Não senti nada. O início da maturidade aos 40? Nada. Com 60, todo mundo fala que é o começo da velhice. Passei leve." O problema começou aos 70. "Aí, a brincadeira muda. Você olha pra frente: 'Com muita sorte, tenho mais dez anos de vida útil'. Pesa. Não vou mais fazer novela por isso. Não dá mais, essa perda de tempo."

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Entre os novos projetos, uma parceria com o amigo Daniel Filho para uma minissérie e um filme sobre Getúlio Vargas --que poderiam ser exibidos na Globo, de onde ele saiu brigado em 2005. Um problema é seu contrato com a Record, que vai até 2013.

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Mais adiantada está a peça sobre um desembargador aposentado. Também tem planos de escrever um filme sobre paulistas que lutaram contra a ditadura. Entre eles, José Dirceu, com quem jantou recentemente, "numa excelente noite regada a vinho".

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Às vésperas do julgamento do mensalão, o ex-ministro recebeu o conselho de escrever uma autobiografia "expondo as vísceras, uma prestação de contas a quem ainda acredita nas boas intenções dele, como eu".

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Lauro César tinha cerca de 30 anos, já era formado em engenharia pelo Mackenzie e vinha do "partidão" (PCB) quando foi comandado por Dirceu em passeatas.

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"O Zé era galã! A gente o via como um Che Guevara brasileiro. Era o namorado das estudantes de esquerda."

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Mostra fotos arquivadas no computador. Numa delas, divide o palco com Caetano Veloso e Gilberto Gil em protesto no teatro Ruth Escobar. Diz que acabou na TV porque "não dava para fazer teatro, a censura impedia".

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Ele aponta como erro seu na novela "Máscaras" mistérios que se prolongavam demais, como o da protagonista sem nome vivida por Paloma Duarte

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Em três meses desde a estreia, a trama mudou de diretor uma vez e outras tantas de horário. Chega a entrar no ar perto da meia-noite. Concorre até mesmo com outro trabalho de Lauro César: a reprise da minissérie "Chiquinha Gonzaga" (1999) na TV paga.

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"Só 'A Fazenda' dá audiência na Record. Aí pergunto: minha novela não estaria sendo vítima disso tudo? Ou foi ela que provocou essa hecatombe? Acho que não."

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Interrompe o raciocínio para auxiliar um rapaz que conserta o computador. Na vida, já pôs fim a três casamentos, que lhe deram quatro filhos. Um deles morreu em 1992, após se viciar em drogas e contrair Aids.

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Virar a mesa depois de 46 anos de teledramaturgia "assusta um pouco". Mas ele vai em frente. "Tenho vontade de fazer mais coisas, viajar. Escrever novelas é uma prisão."

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