segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

ESPECIAL - Aos 40, senhor Ceni avisa: ‘Espírito de competição ainda tem 18’


Rogério Ceni caminha a passos arrastados para a entrevista. Acabou de perder dois quilos no treino da manhã ensolarada no CT de Cotia. Rosto cansado, mas mente espirituosa para zombar de seu próprio aniversário:

- 40 anos não se comemora, se lamenta - diz, com leve sorriso de canto de boca.

Sim. Nesta terça-feira, um dos maiores ídolos da história do São Paulo vai completar 40 anos. Número raro para um jogador de futebol, mas nada surpreendente para quem coleciona recordes. Mais de mil jogos, mais de cem gols, tantos títulos e, mais recentemente, duas lesões que colocaram em risco sua carreira. Marcas que fizeram dobrar seu período de treinamento, que chega a até quatro horas em vez das duas de antigamente.

Tudo para conquistar mais títulos pelo São Paulo, uma das maiores paixões do quarentão. Paixão que teve início pela televisão, em fevereiro de 1987, quando o adolescente de 14 anos, encantado, viu o centroavante Careca empatar o jogo contra o Guarani no último minuto e levar o Tricolor à decisão por pênaltis, para depois conquistar o bicampeonato brasileiro. Aquele jogo e a camisa branca, com as listras no peito, mexeram com o jovem, que mal podia imaginar estar no Morumbi quatro anos depois.

E que ninguém se engane com o andar arrastado e a aparência estafada. Era apenas uma circunstância pós-treino. Rogério continua a todo vapor. Na hora de orientar os companheiros em cada atividade, ao cobrar a diretoria por mais reforços e no tom realista até demais de seu discurso: o São Paulo terá de melhorar muito para ser considerado favorito a qualquer conquista em 2013. Ao menos, o clube sabe que pode contar com o quarentão, um “garoto” dentro de campo.

- Meu espírito de competição ainda tem 18 anos.

Você não devia imaginar jogar até os 40 anos. Como é viver essa realidade?

É uma realidade difícil, o corpo apresenta sintomas que tenho de compensar com treinamentos, especialmente de recuperação após jogos e treinos. Estamos investindo muito em crioterapia (utilização de gelo e baixas temperaturas para combater inflamações e prevenir lesões musculares), reforço muscular. Hoje (na última sexta-feira, véspera da estreia no Paulistão) perdi dois quilos no treino, são dias quentes. A fisiologia evoluiu muito e propicia ao atleta estender mais a profissão, mas para isso tem de ter dedicação e disponibilidade de tempo. Antigamente meu treino demorava duas horas, agora leva quatro, pelas lesões, aquecimento de ombro, tudo.

E como é ter 40 anos?

Nunca tive 40 anos antes, sabe (risos). Não posso dizer, mas me sinto bem. Sempre fui uma pessoa relativamente ultrapassada em relação à tecnologia, tive uma infância bem diferente dos meninos de hoje. Não peguei computador, celular, videogame. Era na rua, e considero muito boa, porque acho que isso ajuda o desenvolvimento da capacidade mecânica do ser humano. Parece que com muito tempo em frente à televisão ou computador não se desenvolve como antigamente. De 39 para 40 não muda muito, é mais a mística da data redonda, assim como foi quando fiz o centésimo gol. Eu me sinto bem para um atleta, se não fossem as lesões me sentiria muito melhor. Elas fazem com que a gente sofra mais para se manter em forma com 23 anos de carreira.

Você se sente mais responsável, ainda mais num grupo que tem vários jovens?

Eu me sinto responsável porque sempre fui assim. Aos 25, 30, 35 e aos 40. Eu me cobro muito, mais a mim do que a todos eles, mas com 20 ou 40 meu objetivo sempre foi alcançar o melhor do time, o melhor que eu pudesse dar, e as vitórias. Agora encontro mais dificuldades, mas meu espírito de competição ainda tem 18, 20 anos. Talvez com o corpo um pouco mais surrado pelo tempo, mas com um ganho de percepção de jogo muito grande, antecipação de jogadas. Vislumbrar um pouquinho antes o que vai acontecer é importante.

Qual foi a primeira vez na sua vida que ouviu falar do São Paulo?


Desde garoto, mas a primeira vez que me chamou atenção foi quando fui para o Mato Grosso, aos 12 anos. Antes eu morava no Sul e se falava de Inter e Grêmio. Eu escutava muitos jogos por rádio, não havia tantas transmissões. Quando o São Paulo montou o time vencedor dos Menudos, em 85, 86, comecei a acompanhar. E me lembro até hoje daquela final do Brasileiro contra o Guarani (veja no vídeo ao lado). Houve grandes conquistas depois, mas aquele para mim é o jogo, o mais espetacular a que assisti do São Paulo (na final do Brasileirão de 86, disputada no início de 87, o atacante Careca empatou o jogo aos 14 minutos do segundo tempo da prorrogação, e o Tricolor conquistou o título nos pênaltis, no Brinco de Ouro, em Campinas). Passei a acompanhar mais de perto sem saber que depois estaria aqui. Comecei a compreender a história do São Paulo, e quatro anos depois vim para cá e comprovei o que via. E eu adorava a camisa do São Paulo. Achava muito bonita, toda branca com as listras na altura do peito. Sempre gostei muito dessa camisa, até hoje acho lindíssima. Foi o que me chamou atenção.

Hoje o São Paulo se orgulha de ser 6-3-3 (seis títulos brasileiros, três da Libertadores e três Mundiais), mas quando você nasceu era 0-0-0...

E quando eu cheguei aqui não era muito diferente, não, viu (risos). Eram dois títulos brasileiros só. Então me orgulho muito de ter feito parte disso. Não me lembro do título de 77, nem da Copa de 78 eu me lembro. Na década de 80 eu passei a entender mais futebol. Antes só queria saber de jogar bola.

Você acha que pode se tornar uma tendência o atleta de futebol jogar até os 40, ou ainda será raro?

Não vai ser um percentual alto que chegará aos 40, mas com a medicina e a fisiologia evoluindo, vejo atletas de 35 a 38 anos, que hoje já são considerados velhos, ou experientes demais, jogando mais tempo em alto nível. Pode ser que no gol aconteça, mas ainda não é uma coisa natural, habitual.

Quando você era garoto, devia ver as pessoas de 40 anos como uns velhos, não é?

Sim, um senhor! Respeito aos mais velhos é muito importante, e hoje muita gente me chama de senhor. Muito em função do respeito, mas também dos cabelos (risos). Assim como eu chamo de senhor quem é mais velho que eu. São as leis da vida.

E de tio?

Tio, nunca! Nem meu sobrinho me chama de tio. Mas um cara de 40 anos não é velho. É que você convive com muitos jovens. Algumas pessoas aparentam ser mais velhas, o atleta até compete em alto nível, mas quando compara com a saúde de um menino como o Lucas, por exemplo, com velocidade, força, de outra posição, você fica mais velho. Mas, mesmo com 40 anos, quando brinco na linha parece que há outros chegando na minha idade, viu (risos).

Você tem orientado muito o time nessa pré-temporada, não é?

Eu tento ajudar sempre. Falar, posicionar, organizar, para que levem a sério o chute a gol, por exemplo. O atleta não pode se desgastar à toa. O número de jogos é muito grande, a velocidade aumentou. Não é necessário que os treinos tenham duas horas de duração. Na Europa, eles duram 45 minutos, uma hora, uma hora e quinze, mas a intensidade faz com que os jogadores tenham uma dinâmica muito boa. Eu falo: não faça chute a gol por fazer, faça como se fosse situação real de jogo. A bola não vai sobrar parada para você, não adianta ir trotando para o chute, tem de estar em movimento. O futebol está cada vez mais dinâmico, de fibra rápida. Jogadores como Wellington e Lucas vão se sobressair, jogadores “elétricos” é que têm espaço.

Você vai fazer 41 anos jogando ou aposentado?

Acho difícil, mas não tenho definição. A lógica, a maior probabilidade, é de encerrar a carreira até o fim do ano. Vamos ver o que acontece, como a gente vai competir e evoluir. Hoje não estamos num ponto em que possamos nos considerar favoritos a qualquer coisa. Temos de crescer muito, precisamos de um ou outro jogador. Hoje há times à nossa frente.

Que presente gostaria de ganhar?

O presente eu já tenho, que é a saúde, a oportunidade de trabalhar profissionalmente num dos maiores clubes do mundo. Já recebi isso na minha carreira, na minha vida. Quero força para trabalhar, e que a gente possa coroar isso dando presentes ao torcedor, que espera pelos títulos.

Qual foi o presente de aniversário que você mais gostou?

Quando fiz três ou quatro anos, eu estava emburrado. Havia ganhado vários presentes, mas estava chateado aquele dia. Aí ganhei uma bola de capotão. Meu pai conta que foi o primeiro sorriso que abri no dia do meu aniversário. Então tinha alguma coisa a ver com meu futuro.

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