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terça-feira, 23 de abril de 2013
A TV é hoje mais interessante que o cinema, diz Fernando Meirelles em entrevista
O cineasta Fernando Meirelles, autor de seis longas (dois dos quais acumulam oito indicações ao Oscar), tem hoje em sua produtora, a O2, oito projetos de séries para TV.
Os números são sinal não só do aquecimento do mercado proporcionado pela Lei da TV Paga (2011) mas também do que ele avalia como uma mudança de "paradigma do audiovisual brasileiro". Para o diretor, "a TV é hoje mais interessante do que o cinema", um espaço "onde a inventividade é mais possível".
Embora defenda a superioridade da televisão em relação ao cinema, Meirelles se prepara para filmar novo longa no segundo semestre.
"A TV ainda não paga a qualidade [de produção] que o cinema paga. Mas acho que é por pouco tempo", diz.
Qual é a sua avaliação sobre a TV hoje?
Fernando Meirelles - A TV está mais interessante do que o cinema. Potencialmente, a TV é muito melhor para contar histórias. O longa virou o conto, e a televisão virou o romance. Nada contra o conto. Mas a TV é onde você pode desenvolver seus personagens numa série de 13 horas. Num conto você não chega a isso. Num longa também não. Nada contra o cinema. É uma virtude da TV.
Por que a gente não descobriu isso antes? A minha tese é técnica. Com as câmeras digitais, a TV tem qualidade melhor. Mas, sobretudo, agora a gente compra TV de plasma de 50 polegadas e tem uma experiência de ver TV com qualidade.
Cite suas séries favoritas.
Gosto de gravar e assistir tudo de pacote depois. Acho que o sucesso da Netflix é um pouco por isso. A primeira em que mergulhei de cabeça foi "Mad Men". "Breaking Bad" é sensacional, uma referência. "The Shield" é muito boa. "Homeland" também.
Seu diagnóstico de que a TV está mais interessante do que o cinema aplica-se ao Brasil?
Aqui, na hora em que as séries começaram a ser assistidas, foi criada a Lei da TV Paga, que é tão marcante como a Lei do Audiovisual [1993].
Naquele momento, não existia cinema. E passou a haver uma indústria. Essa lei é um segundo passo enorme, que muda o paradigma, não só da TV, do cinema também.
A TV aberta terá de se reinventar?
Não, mas ela vai mudar de lugar. Vai ter um lugar de menos influência, de menos protagonismo. Vai ser como nos EUA, onde todo mundo tem TV a cabo, mas está lá a ABC, a CBS, sem a influência de antes. Aqui já está assim.
Nos últimos 20 anos, houve queda suave [de audiência]. Essa coisa de "eu falo para todo o Brasil" vai mudar.
A influência da TV Globo, inclusive na esfera política, tende a diminuir?
Eles ainda terão grande peso por um bom tempo, mas estão se ajustando para uma queda. Daqui a um tempo não vão conseguir ter uma máquina daquele tamanho. A operação deles é muito cara. Mas eles sabem. Estão tentando achar o jeito de operar.
O que é um exemplo de inovação na TV?
A série israelense "Sessão de Terapia" é uma experiência radical e bem-sucedida. Uma conversa entre duas pessoas durante 30 minutos e sobre relação! É de uma ousadia para a TV! O cara que resolveu bancar aquilo é doido.
No cinema há inovação?
Sim, mas ninguém vê. O cinema está ficando muito careta. Essas redes de exibição têm o investimento todo no blockbuster, nesses filmes em que o dinheiro de marketing é três vezes maior que o de produção. O cinema de invenção fica relegado a um festival ou outro, a uma salinha.
Até nesse sentido a TV é mais interessante que o cinema. O cinema está virando a hegemonia do mainstream.
O sr. planeja filmar um longa neste ano. Ainda se interessa em escrever contos?
Sim. Para os contos, você ainda consegue estrutura melhor. O preço por minuto é dez vezes mais caro do que para uma série de TV. A TV não paga a qualidade que o cinema paga. Mas acho que é por pouco tempo.
Que séries sua produtora desenvolve atualmente?
Estamos rodando "Destino Rio" e "Destino São Paulo" para a HBO e "Contos do Edgar" para a Fox. "A Verdade de Cada Um" está no ar (NatGeo). Começamos "Beleza S.A.". Quico [filho de Fernando] e eu desenvolvemos "Os Experientes", para a Globo, sobre gente acima dos 80 anos. Há projeto da série de ação "Chumbo Grosso" e piloto de "Trabalho Duro".
Qual é a sua avaliação do governo Dilma? [Meirelles apoiou Marina Silva na campanha presidencial]
Como assim governo? Não estamos em plena campanha eleitoral? O congresso nos manda diariamente o recado de que agora é a hora de fazer o diabo, tirar Eduardo Campos e Marina Silva da jogada de qualquer maneira. E deixamos para pensar em infraestrutura, inflação, desaceleração da economia, safra de soja empacada na estrada e outros assuntinhos de menor importância em 2014.
Como avalia o resultado do julgamento do mensalão?
Achei bom. [O presidente do Supremo Tribunal Federal] Joaquim Barbosa é o meu herói. Se fosse menos duro, seria o meu super-herói.
VIDA
Nascido em São Paulo, formou-se em arquitetura pela FAU-USP. Tem 57 anos. É sócio da produtora O2 Filmes, que trabalha para os mercados publicitário, de cinema e de televisão
FILMOGRAFIA
"O Menino Maluquinho 2" (codirigido por Fabrizia Pinto), "Domésticas" (codirigido por Nando Olival), "Cidade de Deus" (codirigido por Katia Lund), "O Jardineiro Fiel", "Ensaio sobre a Cegueira", "360"
CARREIRA
Concorreu ao Oscar de melhor diretor por "Cidade de Deus" e à Palma de Ouro com "Ensaio sobre a Cegueira"
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